domingo, 27 de abril de 2008

Carta da Transdisciplinaridade

(Elaborada no Primeiro Congresso Mundial da Transdisciplinaridade, Convento de Arrábida, Portugal, 2-6 novembro 1994)

Preâmbulo

Considerando que a proliferação atual das disciplinas acadêmicas conduz a um crescimento exponencial do saber que torna impossível qualquer olhar global do ser humano;

Considerando que somente uma inteligência que se dá conta da dimensão planetária dos conflitos atuais poderá fazer frente à complexidade de nosso mundo e ao desafio contemporâneo de autodestruição material e espiritual de nossa espécie;

Considerando que a vida está fortemente ameaçada por uma tecnociência triunfante que obedece apenas à lógica assustadora da eficácia pela eficácia;

Considerando que a ruptura contemporânea entre um saber cada vez mais acumulativo e um ser interior cada vez mais empobrecido leva à ascensão de um novo obscurantismo, cujas conseqüências sobre o plano individual e social são incalculáveis;

Considerando que o crescimento do saber, sem precedentes na história , aumenta a desigualdade entre seus detentores e os que são desprovidos dele, engendrando assim desigualdades crescentes no seio dos povos e entre as nações do planeta;

Considerando simultaneamente que todos os desafios enunciados possuem sua contrapartida de esperança e que o crescimento extraordinário do saber pode conduzir a uma mutação comparável à evolução dos hominídeos à espécie humana;

Considerando o que precede, os participantes do Primeiro Congresso Mundial de Transdisciplinaridade (Convento de Arrábida, Portugal 2 - 7 de novembro de 1994) adotaram o presente Protocolo entendido como um conjunto de princípios fundamentais da comunidade de espíritos transdisciplinares, constituindo um contrato moral que todo signatário deste Protocolo faz consigo mesmo, sem qualquer pressão jurídica e institucional.

Artigo 1:

Qualquer tentativa de reduzir o ser humano a uma mera definição e de dissolvê-lo nas estrutura formais, sejam elas quais forem, é incompatível com a visão transdisciplinar.

Artigo 2:

O reconhecimento da existência de diferentes níveis de realidade, regidos por lógicas diferentes é inerente à atitude transdisciplinar. Qualquer tentativa de reduzir a realidade a um único nível regido por uma única lógica não se situa no campo da transdisciplinaridade.

Artigo 3:

A transdisciplinaridade é complementar à aproximação disciplinar: faz emergir da confrontação das disciplinas dados novos que as articulam entre si; oferece-nos uma nova visão da natureza e da realidade. A transdisciplinaridade não procura o domínio sobre as várias outras disciplinas, mas a abertura de todas elas àquilo que as atravessa e as ultrapassa.

Artigo 4:

O ponto de sustentação da transdisciplinaridade reside na unificação semântica e operativa das acepções através e além das disciplinas. Ela pressupõe uma racionalidade aberta, mediante um novo olhar sobre a relatividade das noções de “definição” e de “objetividade”. O formalismo excessivo, a rigidez das definições e o absolutismo da objetividade, comportando a exclusão do sujeito, levam ao empobrecimento.

Artigo 5:

A visão transdisciplinar é resolutamente aberta na medida em que ela ultrapassa o campo das ciências exatas devido ao seu diálogo e sua reconciliação não somente com as ciências humanas, mas também com a arte, a literatura, a poesia e a experiência espiritual.

Artigo 6:

Com a relação à interdisciplinaridade e à multidisciplinaridade, a transdisciplinaridade é multirreferencial e multidimensional. Embora levando em conta os conceitos de tempo e de história, a transdisciplinaridade não exclui a existência de um horizonte transhistórico.

Artigo 7:

A transdisciplinaridade não constitui nem uma nova religião, nem uma nova filosofia, nem uma nova metafísica, nem uma ciência das ciências.

Artigo 8:

A dignidade do ser humano é também de ordem cósmica e planetária. O surgimento do ser humano sobre a Terra é uma das etapas da história do Universo. O reconhecimento da Terra como pátria é um dos imperativos da transdisciplinaridade. Todo ser humano tem direito a uma nacionalidade, mas, a título de habitante da Terra, ele é ao mesmo tempo um ser transnacional. O reconhecimento pelo direito internacional de uma dupla cidadania – referente a uma nação e a Terra - constitui um dos objetivos da pesquisa transdisciplinar.

Artigo 9:

A transdisciplinaridade conduz a uma atitude aberta em relação aos mitos, às religiões e àqueles que os respeitam num espírito transdisciplinar.

Artigo 10:

Não existe um lugar cultural privilegiado de onde se possam julgar as outras culturas. A abordagem transdisciplinar é ela própria transcultural.

Artigo 11:

Uma educação autêntica não pode privilegiar a abstração no conhecimento. Deve ensinar a contextualizar, concretizar e globalizar. A educação transdisciplinar reavalia o papel da intuição, da imaginação, da sensibilidade e do corpo na transmissão dos conhecimentos.

Artigo 12:

A elaboração de uma economia transdisciplinar esta baseada no postulado de que a economia deve estar a serviço do ser humano e não o inverso.

Artigo 13:

A ética transdisciplinar recusa toda atitude que se negue ao diálogo e à discussão, seja qual for sua origem - de ordem ideológica, científica, religiosa, econômica, política ou filosófica. O saber compartilhado deveria conduzir a uma compreensão compartilhada, baseada no respeito absoluto das diferenças entre os seres, unidos pela vida comum sobre uma única e mesma Terra.

Artigo 14:

Rigor, abertura e tolerância são características fundamentais da atitude e da visão transdisciplinar. O rigor na argumentação, que leva em conta todos os dados, é a melhor barreira contra possíveis desvios. A abertura comporta a aceitação do desconhecido, do inesperado e do imprevisível. A tolerância é o reconhecimento do direito às idéias e verdades contrárias às nossas.

Artigo final:

A presente Carta Transdisciplinar foi adotada pelos participantes do Primeiro Congresso Mundial de Transdisciplinaridade, que não reivindicam nenhuma outra autoridade exceto a do seu próprio trabalho e da sua própria atividade.

Segundo os procedimentos que serão definidos de acordo com as mentes transdisciplinares de todos os países, esta Carta esta aberta à assinatura de qualquer ser humano interessado em promover nacional, internacional e transnacionalmente as medidas progressivas para a aplicação destes artigos na vida cotidiana.


Convento de Arrábida, 6 de novembro de 1994


Comitê de Redação
Lima de Freitas, Edgar Morin e Basarab Nicolescu


http://www.cetrans.futuro.usp.br/

Apresentação

A organização e constituição do Grupo de Estudos Novum Organum? Temáticas entre Direito e Literatura da PUCRS foi concretizada em 2005, por meio da iniciativa dos alunos do curso de direito que buscavam realizar leituras de obras literárias e discutir suas diferentes interpretações em encontros que tivessem como principal metodologia: o prazer de ler.
Desde então, em parceria com a Faculdade de Letras, realizamos encontros quinzenais para discutirmos as leituras realizadas pelo grupo que, por sua vez, são deliberadas semestralmente por seus integrantes.
Os discursos acerca dessa interface ainda aparecem muito vinculados à idéia de entretenimento; principalmente, em um território que se diz Direito, findo, acabado e resolvido na completude de seu ordenamento.
As investigações realizadas pelo grupo têm comprovado exatamente o oposto dessas opiniões. Assumir uma postura transdisciplinar a partir da análise do discurso dos textos literários, com a finalidade de enfrentar temáticas jurídicas, tem nos convocado a rastrear outras áreas do conhecimento. Além disso, possibilita enfrentar a realidade jurídica através da porosidade do próprio ordenamento, muitas vezes, lacunoso, ambíguo e vago.
Em razão dessa nova proposta de análise discursiva, as temáticas aparecem sob a forma de dicotomias que desconstroem as fronteiras e, conseqüentemente, o princípio dos territórios excludentes. Diferentes temáticas discutidas no grupo revelam-se, necessariamente, imbricadas com a subjetividade e devem ser analisadas a partir de seu enfrentamento, seja por meio das tragédias gregas, literatura russa, literatura alemã, literatura africana, literatura inglesa, literatura francesa, literatura portuguesa, literatura brasileira e demais literaturas...
As leituras de Eurípedes, Sófocles, Homero, Dostoievski, Kafka, Camus, Shakespeare, Saramago, Machado de Assis, entre outros, têm convocado novas interpretações transdisciplinares.
Autores como Levinas e Bakhtin provocam uma nova racionalidade para os argumentos jurídicos, com base na alteridade e intersubjetividade, visando à construção de uma nova hermenêutica para o Direito.
Contamos com a sua participação.